quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Um pouco de humor para retornar ao trabalho!

Ueba! Suzana Vieira bota ovo na avenida!
JOSÉ SIMÃO

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Acabou a gandaia! O meu dinheiro virou cinzas! Agora todo mundo rebolando. Pra pagar o Carnaval! Cinco dias rebolando na avenida e um ano rebolando pra pagar o cartão!
Em Pernambuco, saiu o bloco Chupa e Faz Tudo. É o bloco do PMDB! Rarará! O Carnaval acabou! Menos na Bahia e no Recife! Que já tão pulando o Carnaval de 2010! Hoje cedo um pernambucano levantou a placa: "Faltam 364 dias pro Carnaval!". E um amigo disse que não tá de ressaca porque ainda tá bêbado!
E a Dilma de abóbora, era Carnaval ou Halloween? Aliás, a Dilma, a dona Marisa e a Marta juntas parecem os Três Porquinhos! E o Sérgio Naya, que morreu na sexta pré-Carnaval em Ilhéus? Aí, a imprensa ligou pro IML de Itabuna, e a mulher: "Aqui não chegou corpo nenhum. E é melhor chegar logo porque eu tô indo embora". Largou o Naya na calçada e foi pro Carnaval. Rarará!
E a Bahia aderiu a mais um ritmo: o kuduro. É um ritmo angolano. Eu vi duas bibas dançando o kuduro no camarote da Band. As bibas do kuduro! Kuduro de tanto tomar mingau! E escola de samba devia ser assim: quanto mais celebridades, mais pontos perde! Como a Ângela Bismarchi conseguiu decorar o samba-enredo?
Ou fez como jogador de futebol: finge que canta o Hino Nacional! E passei o Carnaval assim: joguei boliche no Wii, fiz faxina embaixo da escada e assisti ao Oscar. Mais movimentado que o circuito Barra-Ondina! E a Suzana Vieira pulou tanto, mas tanto, que quase bota um ovo na avenida. Seria a manchete de Carnaval: "Suzana Vieira bota ovo na avenida"!
Pula mais que pulga em sala de espera de veterinário. E ainda disse que o Lula a cantou. Credo! É suicídio social! Diz ela que o Lula disse: "Você é a minha senhora do destino". Olha, se ela fosse senhora do destino dele, ele ainda era torneiro mecânico!
Acabou o Carnaval. Chega de bunda. Vamos encarar o Brasil de frente! É mole? É mole, mas sobe! Daqui a 40 dias. Pingolim de quaresma! Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber um exemplo irado de antitucanês. É que no Guarujá tem a barraca Caldo de Cana, PASTEL DO LULA! Quem vai querer comer o pastel do Lula? A Suzana Vieira?! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!
E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Encurralado": companheiro que passou o precioso no ralador! O lulês é mais fácil que o ingrêis. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã! Que vou pingar meu colírio alucinógeno!

Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2602200903.htm

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Emmanuel Goldstein voltou
BARBARA GANCIA


Em "1984", Goldstein é uma criação do Partido, um inimigo comum que serve para canalizar a insatisfação


VAI COMEÇAR tudo de novo. A Europa não digere bem o diferente, não gosta nem mesmo dos seus. Na Itália, e também na Suíça, cidades separadas por coisa de 40, 50 quilômetros falam dialetos ou línguas completamente diferentes e, muitas vezes, se odeiam.
Na Inglaterra, ainda predomina um sistema de castas. Literalmente até ontem, os filhos da nobreza não precisavam ser eleitos para fazer parte do Parlamento. Para obter uma cadeira na Câmara dos Lordes, bastava que eles se dessem ao trabalho de nascer. As diferenças sociais entre uma casta e outra começam pela maneira de falar. Cada colégio tradicional tem seu próprio sotaque e qualquer inglês sabe reconhecer o ex-aluno de Eton pela maneira como ele fala.
Da mesma forma, a tradição diz que quem nasce na área em que os sinos da igreja St. Mary-le-Bow podem ser ouvidos irá falar cockney, o sotaque predominante entre a classe trabalhadora. Já imaginou ser definido social e culturalmente por toda a sua vida pela maneira como você fala? Na semana passada, os italianos aprovaram uma lei permitindo que os médicos da rede pública de saúde exerçam com naturalidade o ódio aos estrangeiros. De agora em diante, eles podem denunciar quem vive ilegalmente no país assim que o imigrante ilegal pisar no consultório buscando atendimento médico.
Lembra, nobre leitor, quando tudo indicava que o prazo de validade de "1984", de Orwell, havia expirado? Com Fukuyama, nós não chegamos a achar que a luta de ideologias e de classes e tudo o que delas emanava havia chegado ao fim? Pois a atual crise econômica é como um bafo rançoso no cangote. Com ela, a intolerância e a xenofobia que estavam dormentes na Europa acordaram. E de mau humor. Em "1984", Emmanuel Goldstein é uma criação do Partido, um inimigo comum que serve para canalizar o descontentamento da população. Ele é uma espécie de Guerra das Malvinas, que foi confeccionada pelos generais argentinos para distrair a população de suas reais aflições. Parece incrível que, a esta altura, Emmanuel Goldstein possa ter ressuscitado na Europa. Mas ele voltou na pele de um africano, um sul-americano ou um árabe, sem permissão de residência, que ameaça o emprego do europeu. E está prestes a ser linchado em praça pública.
Na noite da última segunda-feira, em Zurique, na Suíça, a advogada pernambucana Paula Oliveira, de 26 anos, teve a infelicidade de ser confundida com Emmanuel Goldstein por supostos skinheads. Paula foi espancada e cortada a estiletadas. Grávida de gêmeas, ela sofreu aborto na noite da agressão e acabou internada em estado grave. Depois de vê-la no hospital, seu pai disse: "Paula recebeu uma centena de ferimentos e teve o corpo todo retalhado; sempre achamos que essas coisas só acontecem no cinema...".
Apesar da pouca idade durante a Segunda Guerra, minha mãe colaborou com os "partigiani" levando e trazendo encomendas em uma cesta de piquenique. E viu um primo adolescente ser morto a sangue frio pelos nazistas. Assistimos juntas à queda do Muro de Berlim pela TV. Ela não parecia muito animada. Perguntei o que havia e ela disse: "Vai começar tudo de novo". Minha mãe pode ter errado o timing, mas nunca se engana sobre o fundamental. Está começando tudo de novo.
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1302200912.htm

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Lugar de pobre
CECILIA GIANNETTI

CONTO À AMIGA , via chat, como agora é praxe, sobre a noite anterior. (Fosse a era pré-internet -e eu e a amiga em questão fôssemos ainda bem diferentes do que somos-, falaríamos sobre isso tomando café no inevitável Leblon do Manoel Carlos):-Daí que Fulano chegou na festa meio surtado, né?-E?-Começa aquele cerca-lourenço rico em bafo (bafo mútuo, desconfio, devo ter culpa no cartório também, já que passara pelo bar já umas duas vezes antes) e então o bicho me pergunta: "Você fica no rio até quando? Aondeshch"? ("Aondeshch" = "aonde", com muito álcool e perdigotos).Respondi, com minha inocência de quem acha o metrô uma das maiores invenções de todos os tempos: "Catete. Tô no Catete".Daí o sujeito:- "C*****!, lugar de POBRE".
"Catete, lu-gar de po-bre."Tomei um gole do meu uísque, os dedos das mãos crispadas no vidro do copo metido a fino, daqueles com ondulaçõezinhas nas laterais, que, creio, pretendem simular nossas ondas mentais após a terceira dose. Quase tive medo de que um garçom, ao ouvir do Catete, lugar de pobre, levasse meu Red Label e trouxesse um nacional de estirpe duvidosa.Enquanto sentia descer a queimadura da bebida garganta abaixo, pensei no carimbo que acabara de receber, ali, entre almofadas de plástico do que o homem "mudernoso" concebeu chamar de lounge.Artista talentoso, com rios de fãs que se estapeariam para obter um pedaço de sua cueca como memorabilia, o cara aproveitou minha golada para explanar mais amplamente com exemplos sua opinião:-"É, Catete, Glória, Flamengo, Centro... Esses buracos. Lu-gar de po-bre".O casario antigo, os predinhos reformados, alguns tombados e outros pedindo pra cair, as cheias em dia de chuva (que de maneira alguma são privilégios de "lu-gar de po-bre", pois não são bairros, mas Estados brasileiros inteiros entregues aos alagamentos), as calçadas com movimentação até bem tarde da noite, com dezenas de barracas de comida de rua e badulaques, estes vendedores fazendo as vezes de seguranças particulares da gente que passa por ali chegando tarde do trabalho, uma vez que é raro o policiamento. Coisa de pobre.Quando o rapaz chegou com essa história de "lu-gar de po-bre", outros ébrios desconfortavelmente aboletados em grandes pufes feito paxás perceberam então que talvez estivessem testemunhando o que a patrulha do politicamente correto classificaria, num momento de extrema benevolência, como gafe. Um colega praticamente pediu desculpas por morar na Lagoa. Falou num tom que tinha algo de tatear os rumos da conversa, notando que o desdém do outro pela suposta pobreza poderia ter sido notado também pelos demais. Falou como se o alívio de se esconder de um inferno suburbano ou central lhe desse licença para não pôr os pés na zona norte, quiçá oeste, falou como quem lamenta ter o álibi considerado perfeito pela maior parte das pessoas jogadas em pufes num lounge meio claro, meio escuro. Adivinhávamos as expressões nos nossos rostos, os contornos enrugados por algum desconforto repentino, por vezes iluminados por flashes das luzes da casa noturna.Então é isto: para alguns, a pobreza está fora de moda. Feito as piranhas de plástico, prendedores de cabelos com flores de plástico coloridas e, por que não dizer, feias, que prendem a cabeleira das garotas.Para quem divide os espaços urbanos entre lugar de pobre e de rico, não há noção de que as cidades são mutantes, e os bairros, micro-organismos, que interagem e dependem uns dos outros para ser o que são.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A maturidade do internetês
A grafia popularizada pela internet vai além das abreviações e consolida estilo informal e afetivo da comunicação escrita

Edgard Murano

Desde que a internet começou a popularizar-se, em meados dos anos 90, muita coisa mudou nos hábitos de escrita e comunicação no mundo todo. Primeiro surgiu o e-mail, depois vieram as salas de bate-papo e os comunicadores instantâneos (como ICQ e MSN) e, finalmente, os blogs e as redes sociais (Orkut, Facebook etc.), hoje tão populares entre os adolescentes quanto diários e papéis de carta um dia já foram. Em meio a essas mudanças, com o advento de novos recursos e ferramentas comunicacionais, o internetês - nome dado à grafia abreviada utilizada na internet - acabou se desenvolvendo e cristalizando-se à medida que a rede mundial de computadores evoluiu.

Sobretudo no Brasil, a expansão e a democratização do acesso à rede saltam aos olhos: estima-se que o número de internautas no país chegue a 40 milhões, segundo balanço realizado pelo Ibope/NetRatings em novembro - praticamente o dobro do número de usuários detectado em 2007 (21 milhões à época). Desse total, cerca de 2 milhões têm entre 6 e 11 anos de idade, dado que indica uma adesão cada vez mais precoce da população à tecnologia.

Apenas para se ter uma ideia da quantidade de informações veiculada por esses milhões de usuários, a Microsoft estima que sejam trocadas 8,2 bilhões de mensagens por dia em todo o mundo por meio do MSN, popular programa de troca de mensagens criado pela empresa de Bill Gates. Ferramentas como esta, entre outras baseadas na escrita que a internet oferece, têm acelerado o processo de comunicação entre as pessoas, influenciando a relação delas com a palavra e resgatando o valor do texto escrito como há muito não se via.

Discernimento
Muitas pessoas veem no internetês - essa espécie de "língua" oficial dos jovens conectados - um mal iminente, à espreita de corromper a forma padrão do idioma e de tornar o patrimônio da língua uma grande sala de bate papo, repleta de flw ["falou"], blz ["beleza"] e demais abreviações informais que, em geral, os adolescentes usam para comunicar-se.

- A web não tem culpa de nada. Pessoas com boa formação educacional sempre conseguirão separar a linguagem coloquial da formal. Elas sabem quando dispensar os acentos e quando pingar todos os "is". Os manuais de cartas formais estão aí para provar que sempre houve uma linguagem para cada tipo de ambiente - afirma Arlete Salvador, autora de A Arte de Escrever Bem (editora Contexto).

Para Arlete, o falante do idioma tende a identificar a variante adequada a cada situação de comunicação.
- Cartas de amor são diferentes de um pedido de compras de material de construção, por exemplo. Vejo a web como mais um instrumento de comunicação: ela é o que fazemos dela - argumenta Arlete.

A jornalista chama a atenção para a enorme quantidade de analfabetos funcionais no país, cujo problema não será agravado pela linguagem da internet, tampouco solucionado, por se tratar de um problema de alfabetização, de educação formal.

Trabalho
Hoje, no entanto, o fantasma do internetês assusta cada vez menos as escolas, embora sua sombra ronde o ambiente de trabalho. Há quem garanta até que o brasileiro internetado, com má formação educacional, ainda assim estaria suscetível a aplicar o internetês em situações que não as conversas informais on-line.

- Não vejo problema no internetês se a pessoa que o utiliza apresenta uma boa formação em língua portuguesa. Mas se essa pessoa não aprendeu o português direito e só se comunica dessa forma, ela pode cometer erros. Alguns funcionários mais jovens se acostumaram a não colocar acentos, pois dão mais trabalho na hora de digitar, já que é preciso apertar duas ou mais teclas - afirma Ligia Crispino, professora de português e sócia-diretora da escola Companhia de Idiomas. Para Ligia, o uso de abreviações e de linguagem informal na comunicação interna das instituições é mais tolerado, embora dificilmente chegue ao conhecimento dos clientes, o que poderia "queimar" a imagem da empresa.

Formação
Para João Luís de Almeida Machado, doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e editor do portal Planeta Educação, não é para todos o discernimento sobre quando e onde usar a grafia consagrada na web. Segundo Machado, referindo-se às novas gerações, a digitação rápida e a produção de mensagens instantâneas por meio de comunicadores eletrônicos concorrem com a produção de textos escritos à mão no papel.

- Entre adultos, já formados, capazes de discernir e produzir textos em diferentes formatos, é possível crer que haja suficiente maturidade para lidar com o internetês. Porém, no que se refere às novas gerações, ainda em formação, é grande a confusão que se estabelece entre a norma culta da língua portuguesa e a linguagem coloquial da web. Isso se explica ao levarmos em conta a exposição demasiada dessa garotada à internet e os baixos índices de leitura auferidos no país - justifica.

Geração
O professor Adalton Ozaki, coordenador dos cursos de graduação da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), acredita conhecer bem essa nova geração habituada à internet, apelidada por ele de "Geração Alt+Tab" [alusão ao comando do teclado que permite ao usuário de computador gerenciar várias tarefas ao mesmo tempo].

- Alguns jovens falam com três ou mais amigos simultaneamente em um programa de mensagens instantâneas enquanto escrevem um e-mail, baixam um vídeo, ouvem música e ainda escrevem no Word [programa para edição de textos]. São impacientes. Não são pessoas acostumadas a ler extensos romances ou livros do começo ao fim. Estão acostumados com a linguagem da internet, concisa e objetiva - afirma Ozaki, para quem esses adolescentes, por lerem menos e ficarem muito tempo em frente ao computador, apresentam grandes limitações no trato com a língua portuguesa.

Pessoas que possuem esse esse perfil enviam dezenas de SMS [do inglês short message service] por dia, e são exímias datilógrafas em aparelhos celulares, cujos teclados acanhados são um convite às abreviaturas típicas do internetês. Devido a essa agilidade nos dedos, esses jovens são conhecidos no Japão como oyayubi sedai, ou "geração do dedão".

Identidade
Além do imediatismo e da objetividade que se encontram por trás do internetês, movido pela economia de caracteres no ato da digitação sem prejuízo da mensagem, há um outro fator, que diz respeito à fase da vida em que se encontram seus praticantes, a maioria deles adolescentes. Da mesma forma que o uso de gírias, seu emprego garante ao indivíduo sentir-se parte de um dado grupo, garantiria um sentimento de identificação com uma determinada "tribo". Raquel Nogueira, professora de língua portuguesa do Colégio Módulo, em São Paulo, não encara o fenômeno linguístico como uma mudança para pior, mas chama a atenção para o contexto em que a grafia é empregada.

- Assim como uma "tribo", com suas próprias gírias e seu próprio modo de falar que a identificam, o mesmo se dá com o internetês, que é usado apenas no espaço que lhe cabe, isto é, na internet e nos torpedos SMS - defende Nogueira.

A professora compreende essa grafia como algo restrito apenas à comunicação informal na internet.

- Mas onde e quando se deve usar o internetês, cabe ao professor orientar seus alunos e mostrar que existem vários níveis de linguagem, vários contextos de uso e vários níveis de formalidade na comunicação. O aluno pode expressar-se utilizando abreviações, neologismos, caricaturas e até não usando acentos, mas fora desse ambiente virtual, em outras situações escritas, isso não é bem aceito ainda - recomenda.

Evolução
O coordenador Adalton Ozaki, da Fiap, questiona o uso do internetês sob o pretexto da concisão e da economia de caracteres. Se, por um lado, "vc", "tb" e "kd" seriam formas enxutas de "você", "também" e "cadê" respectivamente, outras palavras não obedeceriam a esse critério "econômico" justamente por serem mais extensas do que suas correspondentes na norma culta do idioma, argumenta Ozaki, caso de palavras como naum ("não"), eh ("é") e neh ("né", que por sua vez é contração de "não é?").

A opinião da professora Raquel Nogueira, contudo, sugere que talvez exista uma mudança mais profunda por trás desse fenômeno, ligada à evolução da grafia, não se resumindo apenas a uma questão econômica:

- A língua é viva e dinâmica, toda a mudança que ocorre é norteada pela fala, pelo povo, e pode demorar, mas ocorre. Assim como aconteceu com "vossa mercê", que virou "você" e que agora está se transformando em "cê", quem sabe o internetês não seja um precursor de outras mudanças, mas no âmbito da grafia das palavras, já que ninguém falaria vc em vez de "você" ou "cê" - questiona a professora.

Grafia do afeto
Outra modalidade na comunicação via internet, que de certa forma também passa pela economia de caracteres, é o popular emoticon [fusão das palavras inglesas emotion, "emoção", com icon, "ícone"]. Amplamente utilizado por internautas para expressar humor e sentimentos durante troca de mensagens, o emoticon nada mais é do que uma seqüência de caracteres tipográficos que em geral simula expressões faciais, tais como :) ou ainda ^_^ , entre outros. No entanto, a maioria dos atuais comunicadores instantâneos já consegue decodificar essas combinações tipográficas e traduzi-las por equivalentes pictóricos, alguns inclusive com movimentos animados, de modo que ao digitar :( a seqüência se transforme imediatamente no desenho de uma "carinha triste".

- O uso de emoticons é típico do internetês. Com um único símbolo, se transmite à outra pessoa o seu estado de espírito, funcionando quase como um ideograma das línguas orientais, onde um símbolo expressa um sentimento - afirma Ozaki, da Fiap.

Neologismos
Para constatar que a internet acelerou de fato a comunicação entre as pessoas ao redor do mundo, basta enumerar a quantidade de neologismos e expressões novas nascidas na grande rede. Muitas delas, como "postar", "deletar" ou "printar", ao mesmo tempo em que são estrangeirismos, caíram rapidamente no gosto popular. Outro bom exemplo, que também ilustra a força do internetês, é a mais recente lista de palavras publicada pelo jornal norte-americano The New York Times. A lista, batizada de Buzzwords of 2008 [Palavras-burburinho de 2008, em tradução livre], destacou palavras com o prefixo tw, em referência ao serviço de blogs Twitter.

De forma análoga, temos no Brasil trocadilhos já consolidados por usuários da internet, tais como "googlar" (fazer uma pesquisa no site de buscas Google), cometer "orkuticídio" (excluir o próprio perfil da rede social Orkut), entre muitas outras palavras e expressões pescadas de atividades virtuais para a "vida real".

Já que o avanço tecnológico é um processo irreversível, assim como as marcas que o progresso vai deixando na linguagem, é necessário admitir essas aquisições como expressões legítimas, sem nunca perder a chance de usar a forma culta da língua portuguesa quando for necessário. Também cabe a pais, professores e educadores orientar seus alunos para que tal interesse reverta-se em produção escrita, não importando se os textos produzidos forem à tinta ou digitados no computador.

Disponível em http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11684.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O iconoclasta

Linguista americano conta em livro como uma tribo do Amazonas o transformou de missionário evangélico em cientista ateu, e como as peculiaridades da língua dessa tribo podem pôr em questão a teoria mais famosa da linguística, a Gramática Universal de Chomsky

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

O americano Daniel Everett, 55, negou Deus por duas vezes. Primeiro o Deus literal, cristão, cuja inexistência declarou depois de conviver por décadas com os índios pirahãs, do Amazonas, com o propósito inicial -frustrado- de traduzir a Bíblia para a sua língua. Depois, o deus dos intelectuais, Noam Chomsky, cuja Gramática Universal, a mais ilustre de todas as teorias linguísticas, passou a ser questionada por Everett justamente por causa de peculiaridades do idioma pirahã.
Professor da Universidade do Estado de Illinois, Everett tem protagonizado nos últimos anos uma verdadeira guerra com os linguistas da escola de Chomsky, os generativistas.
Ele afirma que seus estudos sobre a língua pirahã -iniciados em 1977 quando ele veio para o Brasil a serviço da organização missionária Summer Institute of Linguistics, ou SIL- derrubam a Gramática Universal por uma série de fatores.
O idioma pirahã, diz Everett, não partilha supostos universais linguísticos tidos como essenciais para a Gramática Universal, segundo a qual a biologia humana molda a linguagem e a variação gramatical possível nas diferentes línguas. O principal ponto é a alegada falta de recursividade do pirahã, ou seja, a capacidade de formar frases infinitamente longas encaixando elementos um no outro. No fim do ano passado, Everett lançou no Reino Unido o livro "Don't Sleep, There Are Snakes" ("Não Durma, Aqui Tem Cobra"), no qual desenvolve mais amplamente, para o público leigo, sua tese.
A obra vai muito além da linguística. Ele narra sua trajetória de três décadas entre a tribo, uma verdadeira saga que envolveu mudar-se com a mulher e três filhos pequenos dos EUA para o meio da selva, uma crise de malária que o fez remar por horas e viajar por dias de barco para salvar sua mulher (que insistia para ficar na aldeia, esperando que Deus a curasse) e ameaças de morte. E todo o processo que o fez se transformar de missionário evangélico em cientista ateu.
É cedo para dizer se as ideias de Everett representam um golpe mortal para a teoria chomskiana. (Não seria de todo impensável: o próprio Chomsky protagonizou um episódio desses, quando pôs abaixo em 1959, com um único artigo, toda a psicologia behaviorista de B. F. Skinner.) "Don't Sleep, There Are Snakes" não avança nesse sentido.
No entanto, é um livro que precisa ganhar logo uma versão brasileira, por conta do olhar perspicaz de Everett sobre a vida na Amazônia.
Enquanto militares e ministros do Supremo discutem se as terras indígenas representam perda de soberania sobre a floresta, Everett e outros "gringos" que escrevem bons livros a respeito da região acabam por internacionalizá-la metaforicamente, ao aproximá-la do coração e da mente de seus leitores... em inglês.
De seu escritório em Illinois, falando um português com sotaque manauara, Everett deu a seguinte entrevista à Folha:

FOLHA - O sr. entrou na Amazônia como um missionário cristão e saiu de lá como um cientista ateu. Como aconteceu essa "desconversão"?
DANIEL EVERETT
- Eu nunca me converti até os 17 anos, quando comecei a namorar uma filha de missionários. Eles me falaram sobre as necessidades dos índios do Amazonas. Eu, como novo cristão, pensei que isso seria melhor que ficar nos EUA. Em 1978 eu fui para a Unicamp fazer mestrado, e obviamente não tem muito fundamentalista lá. E comecei a admirar muito o Aryon [Rodrigues, orientador de mestrado de Everett e principal estudioso de línguas indígenas do Brasil, hoje na UnB]. Uma vez ele me convidou para uma palestra que o Darcy Ribeiro foi dar na Unicamp quando voltou do exílio. A ideia de chegar para o Darcy Ribeiro e dizer que ele ia para o inferno sem Jesus Cristo parecia tão ridícula que eu comecei a pensar sobre essas crenças. Quando comecei a falar com os pirahãs, fiquei no meio do mato conversando com um grupo de pessoas que nunca manifestaram interesse nesse Deus do qual eu falava.
Pensei: "O que eu estou dizendo realmente deve ser muito irrelevante para eles". E finalmente eu vi que intelectualmente eu não podia mais sustentar essa crença em mim.

FOLHA - Como é a sua relação com os missionários do SIL hoje?
EVERETT
- Tenho relação próxima apenas com minha filha é missionária lá, e o Steve Sheldon, que trabalhava entre os pirahãs antes de mim. Eles não viraram meus inimigos, mas sou contra o trabalho Minha filha e eu não falamos sobre isso.


A ideia de chegar para o Darcy Ribeiro e dizer que ele ia para o inferno sem Jesus Cristo parecia tão ridícula que eu comecei a pensar sobre essas crenças

FOLHA - O sr. conhece algum caso de evangelização que tenha sido danoso para os índios?
EVERETT
- Você tem entre os índios banawás e os índios jamamadis os missionários mais conservadores. Os banawás tiveram um casal pentecostal entre eles e um casal do SIL. Você tinha dois casais de missionários num grupo de 79 pessoas.
É demais. Você tinha índios que achavam que Deus ia curar picada de cobra, malária, essas coisas. Os missionários sempre justificam sua presença nas aldeias pelo trabalho médico.
Hoje, com a Funasa assumindo um papel importante nas aldeias, eu não vejo nem essa necessidade para os missionários.
Acho que pregação, traduções, "testemunhos" etc. são superstições e não vejo como superstições podem ajudar os índios.
É a mesma coisa de dizer que os índios não podem viver bem sem crer em Papai Noel.

FOLHA - O sr. publicou suas conclusões sobre a língua pirahã num livro para o público leigo, quando o procedimento padrão é publicar em um periódico científico. O livro vem em vez de uma publicação científica ou além dela?
EVERETT
- Além. Vai sair em setembro. A revista "Language", a mais importante da linguística dos EUA, terá um artigo de 50 páginas atacando meu trabalho e uma resposta minha do mesmo tamanho. Eu não considero meu livro um livro principalmente linguístico. Ele trata de aspectos da minha vida e da minha interação com os pirahãs.

FOLHA - Qual é sua crítica à Gramática Universal de Noam Chomsky?
EVERETT
- A Gramática Universal tem muitas formas. Se você tomar a ultima versão dela, nas formulações mais recentes do Chomsky, a GU (Gramática Universal) é a "teoria verdadeira da base biológica da gramática". Bom, se aceitarmos isso, a proposta perde todo o interesse, porque ninguém duvida de que os humanos têm uma biologia que é responsável pela linguagem. Mas as versões anteriores atribuíam princípios e parâmetros à Gramática Universal. No trabalho com Tecumseh Fitch e Marc Hauser [de 2003], Chomsky fala ainda de outros conceitos, a Faculdade Ampla da Linguagem e a Faculdade Estrita. Eles dizem que "talvez" a única característica específica da faculdade estrita seja a recursividade. Isso faria parte dos genes. Tudo bem. Então, digamos que haja uma língua sem recursividade -candidatos além do pirahã incluem o nunggubuyu, da Austrália, e o hixkaryana, do Brasil. Bom, Chomsky diz que nem todas as línguas são obrigadas a manifestar a recursividade. Mas, se existe uma língua sem ela, poderia haver duas? Três? Se uma língua pode existir sem recursividade, todas poderiam. Então que sentido faz dizer que recursividade é fundamental mas não é obrigatória?

FOLHA - Como a academia tem reagido às suas ideias?
EVERETT
- Você tem quatro tipos de reação. Há pessoas que não gostam de Chomsky e vão aceitar qualquer argumento contra Chomsky; você tem os chomskianos, que não vão aceitar de jeito nenhum um ataque à Gramática Universal; você tem pessoas que têm inveja, ou reagem mal, a toda a publicidade que eu venho recebendo; e tem pessoas que querem saber onde estão os dados. Esta é a reação mais saudável.

FOLHA - O sr. diz que o pirahã é uma língua única, que coloca em questão a teoria chomskiana. E, ao mesmo tempo, diz ser o único não-pirahã a dominar a língua. Então a questão permanecerá em aberto até alguém mais aprender a língua e confirmar ou não os seus achados.
EVERETT
- Ou até um pirahã fazer um doutorado em linguística. Eu já levei pessoas para fazer experiências. Há 20 anos, quando eu publiquei um artigo sobre o sistema de acentuação na língua pirahã, isso criou uma controvérsia na linguística. Então o maior foneticista do mundo, Peter Ladefoged, foi comigo para a aldeia, fez testes e agora isso é aceito entre os linguistas.
Há maneiras de fazer a experiência sem usar a língua, ou usando a língua muito pouco.
Minha hipótese é falseável. Você tem de planejar as experiências, ir lá fazer e contar a história. Mas é difícil. Eu já trabalhei com vários grupos indígenas do Brasil e os pirahãs são o único grupo com o qual eu não posso trabalhar usando o português.
É falseável, mas não vai ser fácil. Eu sei que não vai ter uma aceitação de 100% dos linguistas. Mas eu não acho que os pirahãs sejam um caso único em tudo. Estou dizendo que é um caso primeiro de um contraexemplo da teoria de Chomsky.

FOLHA - Chomsky diz que o sr. entendeu tudo errado.
EVERETT
- Meu primeiro aluno de doutorado foi o professor Ed Gibson, que trabalha no departamento do Chomsky no MIT.
Ele não conseguiu esse emprego porque teve uma má orientação. Eu passei um ano com o Chomsky e em todos os anos em que eu praticava a teoria generativa o Chomsky me deu cartas de recomendação. Só agora, que eu estou tentando dizer que ele está errado, é que eu não entendo a teoria.

FOLHA - O sr. diz que os pirahãs são monoglotas, mas eles estão em contato há 200 anos. Como é possível?
EVERETT
- Alguns pirahãs falam um pouquinho de português, ainda mais os termos de troca.
Mas tem outro fenômeno interessante: às vezes, quando os pirahãs falam com um comerciante, eles usam palavras da língua geral, e o comerciante responde em língua geral [mistura de tupi, português e outras línguas amazônicas]. O comerciante acha que está falando pirahã e o pirahã acha que está falando português.

FOLHA - O sr. apresenta no livro uma ideia chamada "princípio da experiência imediata", segundo o qual o ambiente torna a gramática pirahã tão peculiar. Mas há várias outras tribos que compartilham esse ambiente e não têm essa mesma limitação gramatical.
EVERETT
- Essa preocupação com a experiência é comum na Amazônia. Os pirahãs a valorizam mais que outros grupos. A evidência é esse termo que eu menciono no livro, "xibipíío" (pronuncia-se " "ibipíu"), algo que entra ou sai da experiência imediata. Esse é um termo que eu nunca vi em nenhuma outra língua amazônica. Digamos que haja um certo número de coisas do ambiente que são comuns a todas as línguas amazônicas. Entre elas, cada língua tem o direito de valorizar ou ordenar as coisas de forma diferente. Uma cultura pode dizer que a experiência imediata é importante, mas é colocada num degrau mais baixo da escala de valores. Os pirahãs colocam esse princípio, que é compartilhado com outros grupos amazônicos, muito alto na escala de valores deles. E isso explica coisas muito particulares da cultura e da língua deles e que são raras em outros grupos, como a ausência de números.

FOLHA - No ano passado, um general disse que a política indigenista do Brasil é caótica. Diz-se também que é muita terra para pouco índio. O sr. concorda?
EVERETT
- Os pirahãs, que são 300 pessoas, junto com os parintintins, que são menos de cem pessoas, têm 330 mil hectares. Eles usam toda essa terra. E para os pirahãs ela deveria ter o dobro do tamanho. Os índios, tanto no Brasil quanto nos EUA, foram conquistados por culturas europeias, e essas culturas devem reconhecer o dever de deixar os índios em suas áreas tradicionais vivendo sem interferência, se quiserem.

FOLHA - Nos EUA essa discussão está encerrada, não? Os índios têm terras grandes e o governo dos EUA não acha que elas sejam uma ameaça à soberania nacional.
EVERETT
- É, mas o governo dos EUA tirou os índios dos melhores lugares há mais de cem anos. Os cherokees tinham terras lindas no Kentucky e no Tennessee e foram removidos para Oklahoma, que não tem nada! Agora, que eles descobriram como ganhar a vida com cassinos, as pessoas questionam seu direito de controlarem as reservas, porque fazem concorrência com Las Vegas.