RUBEM ALVES
EU ESTAVA ASSENTADO no palco e observava o auditório lotado. Muitas cabeleiras brancas, muitas cabeleiras grisalhas e muitas calvas brilhantes. Era um público de gente velha. Estavam lá para me ouvir. Havia sido anunciado que eu faria uma fala sobre a terceira idade. Mas eu teria preferido que tivessem anunciado uma conversa sobre velhice... Acho a palavra "velhice" mais poética que a expressão "terceira idade"...
Mas essa palavra "velhice" não aparecia no convite. A "linguagem politicamente correta" a havia proibido. Referir-se a alguém como um "velho" era grosseria, ainda que ele ou ela, por força dos anos já vividos, fosse na realidade um velho. Por vezes, a realidade ofende e é preciso criar máscaras e disfarces para escondê-la. Para esconder a realidade da velhice, diz-se, de forma elegante, que se trata de uma pessoa "idosa" ou da "terceira idade".
Eu não me considerava idoso e nem me colocava dentro do conjunto da terceira idade, muito embora um repórter de um jornal da minha cidade tenha chamado de "ancião" um senhor de 50 anos que fora atropelado. Segundo os critérios desse jovem, se eu fosse atropelado seria imediatamente promovido à categoria de "ancião"...
Feitas as introduções e apresentações preliminares, chegou a minha vez. Fiz silêncio. Olhei demoradamente para os idosos que esperavam de mim um elogio à terceira idade e comecei:
"Então os senhores e as senhoras chegaram finalmente a esse glorioso momento da sua vida em que podem se entregar à felicidade de serem totalmente inúteis...".
Aí aconteceu o que eu sabia que aconteceria. Não me deixaram continuar. Fui imediatamente interrompido por protestos indignados. Todos queriam provar a sua utilidade. Um dos idosos contou sobre a sua horta. Um senhora descreveu as colchas de retalhos que fazia. Um outro contou sobre o hobby que desenvolvera fazendo brinquedos artesanalmente...
Deixei que falassem à vontade. Eu os havia provocado de propósito. Falavam movidos pela ideologia da nossa sociedade, que julga as pessoas da mesma forma como julga as lâminas de barbear, as esferográficas e os filtros de café...Uma lâmina de barbear rombuda, uma esferográfica esgotada, um filtro de café usado deixaram todos de ter utilidade e vão para o lixo. O mesmo acontece com os seres humanos que deixaram de ser úteis.
Esgotada a indignação contra mim, acalmados os ânimos, a palavra me foi devolvida: "A Nona Sinfonia de Beethoven é absolutamente inútil. Não há coisa alguma que se possa fazer com ela. Mas uma vassoura, ao contrário, é muito útil. Serve para varrer, tirar o lixo, eliminar as teias de aranha... Vocês estão me dizendo que preferem a vassoura útil à Nona Sinfonia inútil...
Vejam esse poeminha da Cecília Meireles: "No mistério do Sem-Fim equilibra-se um planeta. No planeta, um jardim. No jardim, um canteiro. No canteiro, uma violeta. E na violeta, entre o mistério do Sem-Fim e o planeta, o dia inteiro, a asa de uma borboleta".
Prá que serve esse poema? Prá nada. É inútil. Já o papel higiênico é muito útil... Vocês estão me dizendo que, no seu julgamento, o papel higiênico vale mais que o poema...
Repentinamente os rostos indignados se abriram em sorrisos. E aprenderam a sabedoria dos poetas e artistas, tão bem resumida no aforismo de William Blake: "No tempo de semear, aprender. No tempo de colher, ensinar. E quando o inverno chegar, gozar...".
Jornal Folha de S. Paulo, 03 de março de 2009.
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0303200905.htm
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0303200905.htm
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ResponderExcluirMães e pais que se tornam avós e avôs, matriarcas e patriarcas insubstituíveis por únicas razões: procriaram, formaram e em reino absoluto lutaram por uma família. E os sem uma estrutura familiar ou até mesmo abandonados? Estão vivos, e só isso, por terem suportado o peso insuportável do tempo e por terem aceitado não, mas não se oporem contra a vida já os torna insubstituíveis.
ResponderExcluirNão podemos encarar a velhice como o murchar das flores, ou até mesmo como o mofar de um livro. Temos que pensar como se fosse a casca de uma árvore que com o passar do tempo a deixa mais protegida do meio externo, isso seria a experiência do além maturidade. É um restinho de vida majestoso que nos permite filosofar mais que Aristóteles e a contar mais histórias que Monteiro Lobato. Então, entenda a velhice como um passo a morte sim, mas quem garante que não pode ser também ao descobrimento do mistério que nunca se revelará?
Sara Resende- 1º I COC ARAGUARI
sara.rc@hotmail.com
Adorei o texto, acho que foi o meu preferido até agora!
ResponderExcluirAchei um barato o "inútil" que ele usou em comparação aos idosos.
Realmente existem coisa inúteis que são melhores que coisa úteis.
A grande maioria dos idosos falam que a velhice é a parte mais triste da vida. Eu ainda não cheguei lá para saber, mas acho que quando chegar descordarei dessa grande maioria.
Eu vejo a velhice como experiência de vida e grande sabedoria. Acho que um idoso já viveu bastante coisa e não é porque chegou na 3º idade que deverá deixar de viver e aproveitar as coisas boas que a vida nos proporciona.
Acho um máximo quando vou ao cinema e vejo um casal de idosos indo também, ou quando vou a um barzinho e tem uma mesa com senhores bebendo uma cervejinha e batendo um papinho.
Pretendo eu, quando chegar na velhice, ser uma "inútil" bem útil para aproveitar mais um pouco a vida!
Marcela Freitas - Mais Positivo - 3º colegial.
Ótimo texto.
ResponderExcluirBoa moral, para todos idosos que pensam em aposentar, em parar de trabalhar, mas quando alcança o que deseja muda de idéia e quer ser algo "útil" se já sofreu com esta utilidade a vida toda.
Eu irei seguir a moral, serei inútil e com muito orgulho !
Gabriel - 3º Colegial - Mais Positivo
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ResponderExcluirAdorei a lição de moral.
ResponderExcluirA comparação entre as pessoas e as lâminas de barbear me chamou bastante atenção. Como se as pessoas depois de tanto fazer pelas outras diretamente e indiretamente pudesse vir a ser descartadas como simples objetos.
Assim como meus companheiros acima pretendo um dia vir a ser "inútil" quando na velhice.
Matheus Felipe - 3º Colegial - Mais Positivo
Obs: Que comentário é esse da Marcela! Parabéns
Pais, que se tornam avós, às vezes nos conseguem fazer enxergar um pouco além, mas nem sempre isso é possível, pois o ser – humano que aprende além de sua idade, são raros, pois ou você acredita no que vê, ou você acredita naquilo que se vê. São sentidos diferentes.
ResponderExcluirVangloriar uma pessoa idosa é perceber que essa pessoa é muito mais perceptível e importante que um murchar das rosas como foi citado. Viver a infância é brincar com o improvável, é se lançar em uma poça de lama, é ser “livre”. Ser jovem é sentir o calor das paixões, é estudar, é fazer festas é se achar no meio da multidão, é tentar voltar a ser uma criança quando bate a saudade. Ser adulto é viver um momento de desfrute do que batalhou para conseguir, ou é sofrer conseqüências de atos impensáveis, é tentar corrigir o errado, é tentar falar o certo, é amar, pois o amor só constrói na convivência, é ser gente.
Ser idoso, é superar a vida, não foram fracos, não desistiram nem nos maiores obstáculos de uma etapa, foram aqueles que não naufragaram com a tempestade forte, foram os melhores. Ser idoso é curtir uma parte da vida, plena de realizações, onde fez o necessário e o desnecessário, e percebe que foi preciso cair pra depois se levantar que isso não foi feio, mas sim necessário.
Ser idoso talvez seja viver o melhor, viver até quem sabe o improvável da infância é ser feliz como ninguém, pois é a parte da vida onde se percebe o quanto é bonito viver.
Amanda Reis Gomes 1ª1 Araguari-COC
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ResponderExcluirVelho. Idoso. Terceira idade. Todas essas palavras vão sempre se referir aos mais sábios, aos mais vividos, aos mais experientes. Por mais que a palavra "velho" não seja tão ovacionada, ela sempre irá se referir àqueles que sempre tem algo para ensinar, para compartilhar e para nos completar, e ela nunca terá a capacidade de diminuir essa classe de seres que nunca se esquecem da essência da vida, que é viver não só acrescentando dias à sua vida, mas vida aos seus dias.
ResponderExcluirSó mesmo passando por essa etapa, para descobrir como ela realmente é. Boa? Divertida? Talvez. Mas com certeza, de suma importância para o despertar da busca sobre as questões do que é o viver, pois não vive bem, quem vive mais, e sim quem melhor vive.
O "inútil", pode ser mais útil do que possamos imaginar, como uma perfeita boneca de pano, que com o passar do tempo, não continua mais tão perfeita assim Se desgasta, rasga, fica "velha", mas sempre, o que não envelhece nem acaba, de forma alguma, é a capacidade de proporcionar a alegria e a felicidade de quem está ao seu redor. Aproveitar essa fase ímpar da vida, significa a cada passo fazer um novo aprendizado, a cada aprendizado, fazer uma nova descoberta, e a cada descoberta, conquistar uma nova vitória, apostando num futuro incerto, onde ninguém sabe ao certo no que vai dar, e é só vivendo para que o sonho possa, quem sabe um dia, se concretizar.
Milena Lelis - 1°I Coc Araguari